segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A arte de desistir



As pessoas – pelo menos nas comunidades das quais até hoje fiz parte - têm pavor à desistência. Abandonou a academia? Deixou pela metade o curso de idiomas ou computação? Resolveu largar o curso superior para se preparar para um novo vestibular? Pronto! Você passa imediatamente à lista dos desajuizados e desprovidos de bom senso. Sujeito a carregar a pecha daquele que deixa tudo que inicia incompleto. Um estereótipo que me causa arrepios.

A vida é feita de pequenos aprendizados diários. Saber desistir é um deles. Por que não? O medo de deixar incompleto é como qualquer outro medo: há de ser vencido. E o que seria de nós se não pudéssemos experimentar? E, ao experimentar, desistir, trocar, reverter, sacudir? Ou mesmo largar, abandonar, definitivamente esquecer para todo o sempre?

Acumularíamos e completaríamos tarefas e mais tarefas que não condizem com nosso gosto pessoal, natureza, crenças. Tudo pelo zelo da completude. Invariavelmente receberíamos em troca um certificado, quase sempre esquecido em seguida a amarelecer no fundo de alguma gaveta. Quiçá não cassássemos – sempre e obrigatoriamente – com os primeiros namorados (as)?

Pobres dos nossos jovens cada vez mais desencorajados a desistir.
- Siga em frente, meu filho. Quer fazer outro curso, ao menos termine esse primeiro. (Mesmo que você atualmente estude bioquímica e tenha descoberto sua vocação para a licenciatura em geografia). É o que dizem todas as bem-intencionadas mães, avós, primas, amigas, vizinhas e todo mundo mais, seja do gênero masculino ou feminino, que mete o bedelho na sua vida.

Coitados dos que estão fadados a eternamente ensaiarem suas desistências, sem tomarem nunca nas mãos as rédeas da própria vida, o controle do próprio balde a ser chutado com vigor e satisfação.

Sinto ser desagradável, mas, seguindo essa trilha, possivelmente você, leitor, terá – se é que já não tem - uma profissão que detesta, com os neurônios entupidos de cultura inútil e um(a) esposo(a) que talvez há tempos já não ame, mas não cogita “abandonar”.

A boa notícia é: a gente pode ser feliz com várias pessoas e coisas que não são necessariamente as que convivemos atualmente. Melhor ainda, a gente pode ser feliz até com a gente mesmo. E sempre é tempo. Basta saber quando avançar ou jogar pelos ares.

Como diz Lispector em "A Paixão Segundo G.H.", “a desistência é uma revelação”. Quer tentar?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Sou um ser dependente. E daí?

Há séculos as mulheres vêm lutando para conquistar o espaço que merecem na sociedade. Talvez por conta disso tenha surgido e reverbere até hoje com tanta força o mito da INDEPENDÊNCIA FEMININA. Um mito do qual fui vítima e também tirei proveito. Acho que com a maioria das mulheres é assim.

Explico. Tirei proveito na medida em que, enquanto acreditava ser possível essa tal independência, fui encorajada a assumir certas posturas que – para o bem ou para o mal - me tornaram quem hoje sou. Vítima no sentido de que me penalizei muitas vezes por ver o quanto para mim essa independência plena era inalcançável.

Enquanto acreditava no mito, fui por muitas vezes capaz de enfrentar o medo e tirar coragem de onde ela não existia. Exercitei a indagação, impus a mim mesma a liderança e a determinação. Tomei gosto por política (não como ofício, explico antes que perca os já poucos leitores) e outros temas dito masculinos. Tudo para mim parecia pouco. Trabalho, duas faculdades e desde cedo a minha própria casa. Afinal, eu TINHA que ser independente. Quanto absurdo! Como seres sociais que somos, é no mínimo inútil perseguir um ideal como este.

As lutas femininas devem prosseguir. Novas conquistas virão. E que venham! Mas não venha me falar nessa bobagem de independência. Todos nós – humanos - somos dependentes por natureza. E que bom que seja assim. Se, sendo dependentes, somos egoístas, prepotentes, arrogantes, imagine se não o fossemos.

Sou extremamente dependente, assumo. Menina e mulher, forte em toda a fragilidade que não temo demonstrar. Aprecio um ombro em quem me apoiar e chorar quando preciso for. O que não me impede de continuar gritando, escrevendo, e, principalmente pensando.

P.S.: Aos que me conhecem e tomaram um susto ao ler o título, antes que inadequadamente aleguem que eu não sei fritar um ovo e adoro trabalhar fora de casa e nunca nela (a casa), um aviso: (in)dependência não tem nada a ver com gosto ou talento pessoal. Sim, eu odeio cozinha e cheirar a óleo, alho e cebola. Mas também não faço a menor idéia de como trocar um pneu. Algum rapaz ai para ajudar?