terça-feira, 17 de novembro de 2009
Borboletas
Estavam ficando, dificilmente evoluiria para um namoro. Alguns dias já de beijos longos e molhados, risadas tolas e aquela impressão de que estavam aproveitando muito a companhia um do outro, mas que esta seria apenas uma paixão gostosa de viver, porém breve como tantas outras. Uma amizade colorida de faculdade, que possivelmente sucumbiria à formatura.
Belo dia o professor faltou e eles foram fazer o programa de quase sempre. Juntar-se aos amigos no bar da esquina. Conversas mil das mais tolas à política nacional. Dos apelidos mais esdrúxulos que trocavam entre si aos rumos da futura profissão. Enfim, a melhor coisa que pode haver num bar: o bate-papo, tanto o fútil quanto o útil.
O assunto passa a enveredar por um teste de seleção para estágio em uma grande empresa a que vários dos colegas sentados naquela mesa tinham se submetido. Depois da prova escrita e da entrevista, a decisão final ficou por conta de uma dinâmica de grupo. Eles acharam um absurdo. Como podem selecionar alguém se baseando numa pergunta tão imbecil quanto “que animal você gostaria de ser?”.
Daí, passaram a discutir as tolas respostas tais como “queria ser uma formiga”, apenas para dar a impressão de que trabalhar em grupo é a prioridade. Afinal, quem no mundo real gostaria de ser uma formiga? Ela sabia bem o que gostaria de ser caso não fosse humana, mas explicar como e porque sua opção divergia um tanto do senso comum que se estabelece em torno das borboletas daria muito trabalho.
A surpresa foi quando ELE disse que bom mesmo era ser borboleta, ao que ela arregalou os imensos olhos bêbados. Todos caíram na risada dizendo que aquilo era coisa de gay, mas ela continuou a ouvir atenta.
Nova surpresa. Ele arremata: “não porque a metamorfose em si signifique tanto - todos nós mudamos ao longo da vida - mas porque é uma existência que ganha todo o sentido quando ela passa a observar do alto a relva por onde rastejou, agora com uma nova perspectiva de si mesma”.
Ela olha a própria pele, onde uma borboleta colorida foi tatuada tempos atrás, toma um gole a mais de cerveja e pensa que a paixão entre eles dois vai vingar. Depois do bar, voltará para a crisálida e mais tarde o convidará a voar.
*Texto (em parte) ficcional.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Melancolia
Hoje quem me despertou foi a melancolia. Me acordou de levinho, foi se espreguiçando na minha alma, se expandindo até tomar conta de tudo. Não a melancolia paralela à depressão, mas aquele sutil abatimento íntimo que me torna mais reflexiva diante das coisas comuns e diárias que normalmente passam despercebidas.
Uma lente gigantesca apontando para todos os pequenos detalhes que me cercam, me deixando exposta, com a sensibilidade aflorada para o bem e para o mal. Uma saudade das coisas que ainda não vivi e um ressentimento da certeza de que, mesmo que viva 100 anos, não haverá tempo suficiente para vivê-las todas.
Vontade de passear pela cidade sem compromisso, horários, encontros ou acompanhantes. Só eu e o meu olhar superdimensionado dos dias assim. Ao invés disso, presa ao trabalho e a uma tela de computador em que as notícias - sejam lidas ou escritas por mim - passam rápidas se sobrepondo umas as outras. Me incomoda não ter o tempo que preciso para dissecá-las e buscar, mesmo que não pela minha própria vivência, mas pela apuração de vivências outras, o desenrolar da vida. A mente, totalmente absorta em si mesma, luta contra a clausura.
Em dias melancólicos, quando o peito está nublado, minha natural curiosidade sobre as paixões e inclinações que atuam em mim e me governam torna-se ainda mais gigantesca. Busco explicações para o que aprovo e desaprovo, para o que chamo de belo ou feio, verdadeiro ou falso. Sem saber quais princípios regem o meu proceder, penso que nesses dias o que eu gostaria mesmo era me abster de mim mesma. E de todos os princípios.
Por isso, vou terminar esse texto assim, bruscamente. Como cartas jogadas ao alto em um sorteio. Sem grandes, nobres e plausíveis princípios que o rejam.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Doce Mentira
"Truth is rarely pure, and never simple" - Oscar Wilde
A dicotomia verdade/mentira sempre me interessou. Tudo que se tem como absoluto, aliás, me interessa, particularmente por nunca ter acreditado que exista algo imutável, plenamente crível e certo para todo o sempre. O que hoje considero correto e pleno amanhã poderá ser por mim mesma contestado.
Mas a mentira – poderão me apontar - pode causar danos irremediáveis. E a verdade também! A diferença é que a verdade sempre me assustou um pouco, com sua áurea incontestável e a mentira, tão injustiçada, para mim foi e é por tantas vezes encarada como um ato de amor.
Hoje um bate-papo com um amigo me deu mais uma prova disso. Ao ouvir dele, que vai se separar da esposa “por não mais amá-la e por fazer sexo por pura obrigação”, – tendo feito questão de dizer isto nestes termos à mulher – tive certeza de que meu amigo não perdeu só o amor por ela, mas também o respeito e a gentileza.
Limitar a mentira a um artifício utilizado com o objetivo de obter vantagens pessoais é pensar raso. Todos mentimos e com as mais diversas intenções. Claro que há os (as) canalhas, bajuladores, conquistadores que dizem “eu te amo” vãos. Mas também há os que mentem como forma de preservar, construindo uma barreira não para si, mas para a defesa emocional do outro. E essa mentira é muito válida.
Eu mesma só minto para pessoas que considero importantes, que prezo. Mentir é uma prisão e, por isso, só faz sentido nos permitir encarcerar se o outro valer muito a pena. Criar uma boa história, guardá-la firme e imutável na memória e, ao final de todos esses esforços, ainda buscar agir com espontaneidade não é tarefa fácil.
Portanto, não me dói esse tipo de mentira, ou omissão que seja, dirigida a mim. Há coisas que eu simplesmente não quero compreender, porque compreendê-las me machucaria ainda mais. Sim, quero as mentiras mais bonitas, os eufemismos mais suaves. Sim, em muitos casos prefiro a doce mentira dita por amor do que a dura verdade exposta à carne viva em desrespeito.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Sobre livros-amantes
Ontem algo raro aconteceu. Alguém me devolveu um livro. Tudo bem que devolver não é tão raro assim, extraordinário mesmo é o fato de eu tê-lo emprestado. Não, não me envergonho em admitir isto. Ou você empresta facilmente aquilo que preza? Estou certa que não. O fato é que esta querida amiga me perguntou:
- Bia, como pode tantas advertências ao me emprestar, sendo que o livro está todo rabiscado?
Fiquei surpresa com a pergunta. Quando digo a alguém que tenha cuidado com esta ou aquela obra, esta recomendação é como um alerta que se faz sobre alguém querido. Como um pai, mãe ou irmão de quem você pode até às vezes se queixar, mas os outros nunca.
Aliás, na verdade meus livros não são parentes, são amantes. EU sou íntima e eles são meus e de mais ninguém. Se contiverem anotações, registros de qualquer espécie, significa que me são queridos, muito queridos. São marcas como as marcas deixadas na pele após uma ardente noite de amor. As marcas, portanto, significam: Cuidado redobrado comigo, pois ela me considera um bom amante!
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