Amigos de conversas banais. Por vezes nem tanto. Certa vez ela chegou a comentar um fato íntimo que lhe embargou a voz e marejou os olhos. Ele não resistiu. Tascou-lhe na boca o beijo que há tempos ensaiava. Afinal, ela era tudo em que pensava.
(Congela-se a cena)
Ela, um tanto atônita, recolhe suas coisas, se despede rapidamente, mal trocando palavras. Ele permanece ali sentado, paralisado.
Na vez seguinte em que se encontram, mal se olham. Como se uma ventania houvesse varrido de todo a cumplicidade que antes vinha aos poucos se desenhando entre os dois. Toma fôlego e se aproxima: “Te assustou o meu beijo?”
- De jeito nenhum. É que não foi apropriado.
Apropriado? Ele sempre ouviu dizer que beijo a quem se ama não se pede. E, portanto, olhou-lhe com aquela interrogação expressa nos olhos. No mesmo instante ela sacou da manga as respostas que ele esperava, embora fossem para ele tão vazias de sentido. Eram adultos, vários relacionamentos anteriores, não havia fato no mundo pelo qual ele entendesse que um beijo exigia um protocolo. Era um beijo e só. E um beijo de amor, algo que não se contesta, que não se recusa, e muito menos que se pondere sobre.
- Não foi o beijo em si. Muito menos queria que você PEDISSE o beijo. Só tem que ser no seu momento. É o momento que chama o beijo. Um beijo não invasivo, porém firme. Que expresse quem você é. Que, por meio dele, eu saiba que é você quem eu quero como protagonista da minha vida, verdadeira novela mexicana.
- Tudo pra você é complicado, não é?
- Nem tanto. Em cinco minutos te explico:
O protagonista tem que ser gentil e educado, sem me entediar. Não abrir a porta do carro, eu mesma sei abri-la. Tem que ter pegada, mas nunca me fazer desconfiar que é cafajeste. Ser romântico, mas nunca ao ponto de me mandar um “carro de som com homenagem”. Românticos não podem ser bregas. E esse é um erro comum e fatal.
Ser presente, mas vez por outra ausentar-se. Homens grudentos podem ser os piores. Deve ser engraçado, sem contar piadas prontas. Aliás, piadas são, em geral, péssimas, e, se você não é comediante, resguarde-se. Precisa gostar de viajar, ler e se cuidar, mas não pode gostar de modismos. Nem muito arrumado, nem bermudão com chinelos para tudo. Em hipótese alguma pode usar chapinha no estilo “colírios da capricho”.
PRECISA acreditar em mim, mesmo nas mentiras. Sim, sem elas relacionamento algum perdura. E o mais importante. Para ser protagonista, não pode se repetir. Há de se reinventar.
Não me mande rosas, muito menos vermelhas. Bombons e cestas de café da manhã também são dispensáveis. Diferente do que dizem, o pior de tudo não é o desamor. É o tédio!
Terminada “a aula”, ele lembrou-se imediatamente de Fábio Júnior, mas jamais poderia dizer isto a ela, seria cafona: “Sou homem maduro, mas na sua frente, não sou mais que um menino”.
Topou o desafio e deu-lhe um beijo. Dessa vez confiante. Afinal, tinha que ter a postura de um protagonista.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
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Como sempre suas crônicas são ricas em conteúdo, em entrelinhas e acima de tudo modernas e desafiadoras. Desafia o intelecto de quem lê e aguça a imaginação.
ResponderExcluirantes de iniciar a leitura, o tempo curto no momento, pensei em continuar outra hora mas, os textos de Mara nos prendem por completo, imaginei como seria o final e o que fazer...rs, precisei ler até o final para descobrir.
E fazer esse trajeto é muito agradável.
Parabéns Mara, você realmente tem um estilo único e não nos prive dessa beleza, continue escrevendo.
Um grande abraço